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Telemarketing cresce, mas engatinha no sindicalismo

Os operadores de telemarketing são jovens, despolitizados e usam a profissão para ingressar no mercado de trabalho

 

 

 São 20 minutos de almoço, que se somam aos dois intervalos de dez minutos para descanso, que podem ser acionados ao longo das seis horas diárias de trabalho. O supervisor checa, a cada instante, se as chamadas estão sendo solucionadas e, principalmente, se tudo está sendo feito depressa, conforme estipulado. O salário varia de R$ 550 a R$ 700. A única exigência é a conclusão do ensino médio. Apenas no Estado de São Paulo são cerca de 300 mil trabalhadores, que se somam aos quase 750 mil em outros Estados, que formam uma das categorias mais expressivas - e que mais crescem - do mercado de trabalho brasileiro: os operadores de telemarketing.

"É um setor novo, que ainda não atrai os holofotes que a indústria, e mesmo o comércio, atraem. As fábricas estão no Brasil há mais de cem anos, enquanto nós estamos aqui há menos de 20. É difícil competir por atenção da sociedade nesses termos", avalia Stan Braz, diretor-presidente do Sindicato Paulista das Empresas de Telemarketing (Sintelmark).

De acordo com Braz, é preciso "apelar" para a força do mercado de trabalho. Segundo dados da Relação Anual de Informações Sociais (Rais), o setor de serviços tinha estoque de 12,6 milhões de trabalhadores no fim de 2008, quase o dobro de indústria e comércio - 7,3 e 7,4 milhões, respectivamente. No ano passado, dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) apontam que, até novembro, o setor de serviços havia registrado saldo líquido de 568 mil vagas, diante de 286 mil do varejo e 177 mil da indústria de transformação. "Não dá para comparar", diz Braz, "porque enquanto uma fábrica emprega 3 mil funcionários, uma empresa média do setor de telemarketing, por exemplo, emprega 10 mil."

O diretor do sindicato patronal aponta também para a "robustez econômica das empresas": só em São Paulo, o faturamento conjunto alcançou cerca de R$ 6 bilhões no ano passado, um crescimento de 6% em comparação com 2008. Mesmo assim, avalia, "o setor não consegue obter incentivos do governo ou atenção da sociedade".

 Os serviços de call center se popularizaram no país na década de 1990, quando se ampliaram o número de linhas telefônicas e as táticas de comunicação direta - o telemarketing - de diferentes companhias. O grande boom do setor ocorreu depois da privatização da Telebrás, em outubro de 1998, quando se ampliou o acesso à linhas fixas e móveis. Em 11 anos, os "acessos telefônicos" passaram de 24,5 milhões para 211 milhões, com 41 milhões de aparelhos fixos e 170 milhões de celulares. Foi na década passada que grande parte das empresas de telemarketing surgiu, além dos sindicatos patronal, em 1996, e dos trabalhadores, em 1992.

"Somos um setor jovem em todos os sentidos: as empresas não alcançam duas décadas e os trabalhadores são, em sua maior parte, estudantes universitários", afirma Alexandre Jau, presidente da empresa de call center TMKT, que emprega pouco mais de 10 mil operadores de telemarketing. "A juventude do setor paga um preço caro. A sociedade reclama e até esnoba o uso do gerúndio por parte dos operadores, mas não se pergunta porque isso ocorre", diz Jau, para quem "há um problema na educação básica que não é corrigido pelo Estado e pela sociedade esclarecida, e nós apenas cumprimos o papel de oferecer emprego para essas pessoas", afirma.

O terreno laboral, para estes prestadores de serviços, é diferente de categorias tradicionais, como comerciários e industriais, nos quais o desenvolvimento de estratégias empresariais, práticas sindicais e intervenção do Estado fizeram eclodir um modelo de negócios claro, que envolve discussões anuais acerca de reajustes e concessões, de lado a lado. Os operadores de telemarketing são jovens - idade média de 22 anos -, despolitizados e interessados em ingressar no mercado de trabalho.

Empresários e sindicalistas do setor afinam o discurso quando dizem que, para os trabalhadores do setor, o call center é a porta de entrada - e temporária. Não há maiores vínculos com outros profissionais - que dividem as mesmas perspectivas - ou com o empregador.

"O jovem que começa a trabalhar como operador já entra pensando em sair, o que cria uma enorme rotatividade no setor", afirma Wagner Gomes, presidente da Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB), órgão que une, entre outros, o sindicato dos metroviários de São Paulo, dos metalúrgicos da Bahia e dos bancários de Sergipe. "Não há promoção, então é difícil construir qualquer coisa", afirma Gomes, acrescentando que "mesmo pensar no futuro é difícil numa situação dessas". "O jovem sabe que ali ele não vai ficar muito tempo, seja porque não vai aguentar, seja porque vai se formar e seguir carreira em outra função", diz. Para Gomes, esse perfil da categoria dificulta a ação sindical, uma vez que, para a empresa, há grande oferta de mão de obra para primeiro emprego.

A TMKT, segundo Jau, faturou cerca de R$ 180 milhões em 2009, 4,5% mais que em 2008. Ele estima crescimento maior este ano, mas critica a "ausência de planos e estratégias, por parte do governo", para o setor de telemarketing. "Não temos política tributária. Parece que só existe indústria automobilística neste país. Poderíamos também contar com um 'sistema S', semelhante ao que a indústria tem à sua disposição para capacitação profissional", afirma.

Jau, que foi o primeiro presidente do sindicato patronal do setor, estima que 72% dos custos das empresas de telemarketing são com folha de pagamento e encargos trabalhistas. Assim, diz, uma negociação com o sindicato dos trabalhadores acerca de condições salariais é sempre "complicada". Mesmo assim, "o sindicato dos trabalhadores ganhou maturidade nos últimos anos, porque está mais flexível e sabe negociar", avalia.

A data-base da categoria, em São Paulo, é entre abril e maio, quando são decididos os reajustes salariais. Em 2009, a demanda dos operadores foi de 5,5% de aumento real, enquanto as empresas apenas concordavam em repor a inflação - no fim, fecharam com aumento real de 4%, mesmo índice conquistado pelo tradicional sindicato dos metalúrgicos do ABC, onde, no entanto, o salário médio é cinco vezes maior (R$ 3.434, segundo o Dieese) que os verificados no call center.

Para o presidente do Sindicato dos Trabalhadores em Telemarketing (Sintratel) de São Paulo, Marco Aurélio Oliveira, é preciso combinar estratégias para comover os jovens operadores. Não basta, afirma, promover assembleias na sede do sindicato, mas mesclar a conscientização política com o "divertimento que os jovens querem". Assim, os encontros dos sindicato são realizados em forma de festas. "Vamos às portas das empresas e distribuímos chamados, que são muito semelhantes aos 'flyers' de festas universitárias, e reunimos cerca de 1,5 mil a 2 mil trabalhadores. Em determinado momento da festa, interrompemos a música para, em 15 minutos, transmitir mensagens". E elas surtem efeito? "Cumprem um papel significativo, ao lado do blog, do twitter e do nosso site na internet", diz. "Precisamos falar a língua da categoria, não adianta ficarmos presos em modelos antigos."

Oliveira é favorável à criação, por parte do Estado, de um sistema de treinamento e capacitação de trabalhadores para o telemarketing, num modelo semelhante ao sistema S, para a indústria. "É preciso preparar o jovem para os serviços, até porque o número de jovens na indústria é irrisório perto do número de jovens em telemarketing, e, mesmo assim, o investimento que se tem com o jovem da indústria é astronômico", diz Oliveira, para quem a qualificação e requalificação do profissional é "uma bandeira urgente do sindicato".

O Sintratel se apoia numa categoria em expansão para ampliar sindicalizados e fortalecer sua legitimidade em campanhas salariais. O sindicato está atento - e ativo - para aumentar a base de membros: segundo Oliveira, "quem se filiar concorre a prêmios, como celulares, MP3, MP4, utensílios domésticos e de beleza, que serão sorteados no sindicato".

 

Pesquisador compara telemarketing aos bancários dos anos 70

Pesquisador do mundo do trabalho e de práticas sindicais, o professor titular de sociologia do trabalho na Unicamp, Ricardo Antunes, compara o telemarketing aos bancários dos anos 60 e 70, ou seja, cargos ocupados em sua maior parte por estudantes universitários, que têm a perspectiva de sair do setor. A ação sindical, neste ambiente, "é difícil", mas, segundo Antunes, deve aproveitar as "condições adversas da função, isto é, a penúria, a exploração, a intensidade e pressão", que "empurram o trabalhador para outro emprego ou para se organizar".

Para Antunes, os sindicatos devem compreender melhor a "nova morfologia do trabalho", que, diferentemente de categorias tradicionais, como metalúrgicos e bancários, trata de terceirizados, jovens e mulheres.

A seguir, os principais trechos da entrevista:

Valor: Qual é a relevância do setor de telemarketing?

Ricardo Antunes: O telemarketing hoje tem mais ou menos a mesma característica que os bancários tinham na década de 1960 e início dos anos 70. Era o primeiro emprego, ocupado em sua maior parte por estudantes que, tão logo formados, saíam dos bancos para trabalhar em economia, advocacia, jornalismo. Claro que as diferenças no mercado de trabalho dos anos 60 para hoje, começo de 2010, é brutal. O país é muito diferente. O telemarketing é o reflexo da classe trabalhadora "invisível" em tempos de retração e desemprego, como tivemos nos anos 90, que vai ocupar postos de trabalho onde existe demanda. Há uma profunda mudança de perfil no mundo do trabalho, que poucos perceberam ou estão percebendo. São Bernardo do Campo chegou a ter 240 mil operários na cadeia automotiva, entre os anos 70 e 80. Hoje, não chega a 90 mil. Os bancários chegaram a bater na casa dos 850 mil, mas hoje não alcançam 400 mil. Ao contrário disso tudo, os call centers cresceram e já empregam mais que estes dois setores tradicionais. Nos anos 90, com a privatização da Telebrás, temos a explosão desse processo.

Valor: Mas já não havia grande contingente de trabalhadores em empresas de telefonia antes do telemarketing e call center?

Antunes: Sim, mas os operadores de telemarketing não têm nada a ver com o antigo trabalhador de telefonia, que era um sujeito especializado, sindicalizado e, por ser funcionário de empresas públicas, tinha certa estabilidade de emprego, o que permitia um nível de desenvolvimento e aprimoramento individual e coletivo que o telemarketing não permite. O telemarketing é o oposto de tudo isso. O trabalhador não é especializado e normalmente divide seu tempo com universidade ou mesmo com outro emprego. Trabalham seis horas ao dia num ritmo extenuante, onde a voz é o instrumento de trabalho. Com esse ritmo e um supervisor intervindo a todo momento, é a categoria que mais remete ao passado, sendo herdeira do taylorismo e do fordismo.

Valor: Qual é o perfil deste trabalhador?

Antunes: É uma categoria intensamente explorada, fortemente individualizada, muito jovem, e que está num emprego temporário, onde entrou com um sonho que logo é transformado. Existe uma espécie de mito, entre os jovens que trabalham como operadores, de que o trabalho, normalmente o primeiro emprego, é um sonho que permitirá dar o ponto de partida. Seis meses depois, o sonho é sair da empresa. E o jovem só não sai porque não tem condições de encontrar outro trabalho, muitas vezes porque não é especializado. É um trabalho extremamente individualizado, em que os funcionários ficam separados por baias, o diálogo é restrito, há pouco tempo livre e, quando há, o espaço de socialização é pequeno. Trata-se de um setor novo, sem tradição sindical. E há, por parte das empresas, uma campanha muito intensa, explícita ou não, de manter-se distante dos sindicatos.

Valor: Ainda é possível construir sindicatos fortes hoje?

Antunes: De modo geral, a atuação sindical está muito fragilizada. Da década de 1990 para cá, houve um processo muito forte de descaracterização dos sindicatos como órgãos de representação coletiva. Vários sindicatos tradicionais foram desmontados no mundo inteiro, devido a este movimento coordenado de individualização das relações. Além disso, há a tragédia do sindicalismo pelego, aquele atrelado ao Estado, que tem efeito devastador sobre os sindicatos mais sérios. Podemos ilustrar esse fenômeno do telemarketing por meio de outra categoria "nova": os motoboys. Trata-se de uma área dos serviços que também se expandiu muito nas últimas duas décadas, que igualmente sofre preconceito social e com uma jornada de trabalho acachapante. Os problemas dos motoboys acabam sendo, principalmente nas grandes cidades, mais visíveis que os de telemarketing, porque as motos estão nas ruas. Mas as dificuldades são as mesmas, quer dizer, descobrir como agir em áreas novas e individualistas.

Valor: Como fica a atuação sindical neste ambiente?

Antunes: É difícil sindicalizar trabalhadores nessas circunstâncias, mas não impossível. É possível, por exemplo, constituir núcleos mais conscientes no local de trabalho. Muitos operadores de telemarketing são estudantes universitários, têm certa propensão ao pensamento crítico. A individualização e a necessidade de ter emprego empurram o trabalhador para um universo ideológico mais próximo da empresa, que aproveita, é claro. As condições adversas de trabalho - a penúria, a exploração, a intensidade e pressão- empurram, num prazo mais longo, o trabalhador para outro emprego ou para se organizar. É aí que deve entrar o sindicato. Nenhuma categoria nasceu com organização sindical forte, isto é algo que é moldado a partir de ações cotidianas dos trabalhadores.

Valor: O sr. vê isto ocorrendo?

Antunes: Não, mas este é um processo lento, molecular. Isto ocorrerá com um sindicalismo mais ousado, mais claramente representativo da base dos trabalhadores, algo que também é muito difícil, porque hoje o ambiente é brutalmente desfavorável aos trabalhadores sindicalizados, se compararmos com o que existia nos anos 80. Há muita informalidade, muito trabalho terceirizado. É um terreno onde os sindicatos, todos eles, não têm conseguido fazer avanços. Os sindicatos não têm conseguido representar esta nova morfologia do trabalho, que tem classe trabalhadora mais heterogênea, com maior participação da mulher - e o sindicato brasileiro é herdeiro de tradição machista. Há muita dificuldade em representar corretamente os terceirizados, os jovens, mulheres. Uma mudança neste equilíbrio de forças deve ocorrer agora, nesta década de 2010.

 

Fonte: João Villaverde, Valor Econômico