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Fiscais do trabalho relatam insegurança e denunciam impunidade

Falta de profissionais contribui para que o país tenha um alto número de pessoas que trabalham sem receber

No Dia Nacional de Combate ao Trabalho escravo no país, lembrado ontem, dezenas de pessoas simbolizaram o luto em Frente ao Supremo Tribunal Federal (STF) contra a falta de punição aos acusados pela chacina dos auditores fiscais do trabalho em Unaí (MG). O crime ocorreu há seis anos e até agora nenhum dos nove acusados foi julgado.

Segundo o procurador do Ministério Público do Trabalho (MPT), Sebastião Caixeta, a sensação de impunidade e a insegurança instalada entre os profissionais do grupo de operações especiais que lidam com a fiscalização das normas de proteção ao trabalho podem favorecer a ocorrência de novos casos. “A morosidade da Justiça preocupa porque dá margem para que novos absurdos sejam cometidos contra o Estado sem a punição que merecem”, afirmou.

Os auditores fiscais Eratóstenes de Almeida Gonçalves, João Batista Soares Lage e Nelson José da Silva, além do motorista Aílton Pereira de Oliveira, foram mortos no dia 28 de janeiro de 2004 ao vistoriar fazendas na região rural de Unaí. Dos nove envolvidos, apenas cinco estão presos. Acusado como um dos mandantes, o prefeito reeleito de Unaí, Antério Mânica (PSDB), tem direito a julgamento em foro especial e, portanto, não irá a júri popular como os demais. O processo está parado desde 2005 no Tribunal Regional Federal, em Brasília, graças a uma série de recursos judiciais apresentados pela defesa dos acusados.

A presidenta do Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais do Trabalho, Rosângela Rassy, reforça a preocupação: “Continuamos sem proteção policial na maioria das visitas que fazemos. Passados seis anos do assassinato, nada mudou e ainda temos muito medo de trabalhar porque a qualquer momento pode acontecer outra tragédia”, diz.

Segundo Rosângela, outro problema que ainda está longe de ser solucionado é o número reduzido de profissionais para atuar nessa atividade. Hoje, o efetivo é de 2.800 auditores fiscais, quando a estimativa necessária é de 6.000 profissionais. “O governo tenta resolver o problema e abriu concurso recente para pouco mais de 200 vagas, mas ainda é fora da nossa realidade.”

“Não podemos esquecer esse caso de uma forma tão simples porque o atentado não foi só contra os trabalhadores que cumpriam suas tarefas, mas contra o Estado. Todos ainda têm muito medo de represálias na região e querem ver a justiça cumprida”, completa Elba Soares da Silva, viúva de um dos auditores assassinados.

A falta de pessoal para atuar na fiscalização contribui para que o país ainda mantenha um número considerável de homens e mulheres em condições análogas à de escravo. Só em 2009 o MPT flagrou 3.571 trabalhadores exercendo longas jornadas de trabalho, muitas superiores a 15 horas, sem acesso a água potável e comida, em alojamentos precários e sem salário. O levantamento foi realizado durante as inspeções realizadas em conjunto com equipes do Ministério do Trabalho e da Polícia Federal em todo o país. Apesar da redução dos números em relação a 2008 — quando foram encontrados 5.016 trabalhadores na mesma condição —, a realidade ainda preocupa, segundo o procurador Sebastião Caixeta. “O que levou a essa baixa foi a crise econômica que paralisou as atividades nas carvoarias, onde encontramos muitas irregularidades. Mas com a retomada do setor da siderurgia, que tem o carvão vegetal como matéria prima, a exploração da mão de obra sem responsabilidade vai voltar à ativa”, acredita.

O setor de álcool e de cana de açúcar continua entre os que mais descumprem as leis trabalhistas, segundo o procurador. “Em média, 30% dos casos de pessoas resgatadas nas operações especiais estão envolvidas com o corte e o manejo da cana”, diz. O ranking listado pelo procurador comprova a situação. No ano passado, o Rio de Janeiro superou estados com histórico do problema, como Pará e Mato Grosso, e assumiu o topo do ranking, com 521 flagrantes de trabalho desumano por conta das irregularidades em usinas do interior do estado. Pernambuco vem em segundo lugar, com 419 pessoas encontradas na mesma situação. “O que falta é um maior compromisso de setores como esse (da cana), que recebe muito incentivo do governo. É um setor importante porque vende, inclusive, uma solução para as questões ambientais, que é o biocombustível, e que pode trazer benefícios para a economia, mas precisa também se preocupar com a melhoria das condições de trabalho no campo”, critica.

No ano passado, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva anunciou em conjunto com as empresas do setor sucroalcooleiro um compromisso nacional para melhoria das condições de trabalho. Apesar da adesão de 75% dos usineiros, o documento perde a força por assumir caráter voluntário, segundo Caixeta. Procurada pelo Correio, a União da Indústria de Cana de Açúcar (Unica) não se pronunciou sobre o assunto.

 

 "Continuamos sem proteção policial na maioria das visitas que fazemos. Passados seis anos do assassinato, nada mudou e ainda temos muito medo de trabalhar”

Rosângela Rassy, presidenta do Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais do Trabalho



 

Fonte: Correio Braziliense