
Acidentes de trabalho provocam 7 mortes por dia e dizimam famílias
Risco maior é no setor de serviços e construções
“Tá vendo aquele edifício, moço? Ajudei a levantar. Foi um tempo de aflição, eram quatro condução, duas pra ir...”. Em 20 de janeiro deste ano, a música não terminou para o servente de obra José Moraes Freitas, de 54 anos. Ele não pegou as duas conduções de volta para casa. Quatro horas depois que o ônibus o deixou próximo à obra do novo prédio do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), tocada pela construtora Via Engenharia, a plataforma onde ele trabalhava a sete metros de altura cedeu. O colega que estava junto ainda tentou agarrá-lo pela mão, mas não aguentou. E José caiu. Levado com vida ao hospital, morreu horas depois, sem atendimento, à espera de uma vaga na UTI.
Dez meses depois, sentada no sofá da casa humilde e silenciosa em Águas Lindas de Goiás, cabeça baixa, Marta Ana, 43, viúva de José, tem o olhar fixo num canto da sala da casa, que ele comprou ainda solteiro. Ela está ficando cega. Só enxerga vultos de objetos e das pessoas. À rua, não pode sair sozinha. “A vida virou do avesso”, diz, inconformada e incrédula em muitos momentos. Os dois filhos do casal, Oziel, 11, e Micael, 10, são muito pequenos para entender a falta que o pai fará em suas vidas. Choram escondidos à noite, na cama, de saudade. Não sabem que o pai virou estatística de acidentes de trabalho fatais no Brasil.
Dez meses depois, sentada no sofá da casa humilde e silenciosa em Águas Lindas de Goiás, cabeça baixa, Marta Ana, 43, viúva de José, tem o olhar fixo num canto da sala da casa, que ele comprou ainda solteiro. Ela está ficando cega. Só enxerga vultos de objetos e das pessoas. À rua, não pode sair sozinha. “A vida virou do avesso”, diz, inconformada e incrédula em muitos momentos. Os dois filhos do casal, Oziel, 11, e Micael, 10, são muito pequenos para entender a falta que o pai fará em suas vidas. Choram escondidos à noite, na cama, de saudade. Não sabem que o pai virou estatística de acidentes de trabalho fatais no Brasil.
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A cada dia, quase 2 mil trabalhadores como Freitas se acidentam defendendo o pão da família. Desses, 43 não retornam mais ao batente, ou porque ficaram incapacitados para sempre, ou porque morreram. Dados divulgados pelo Ministério da Previdência Social, o órgão que dispõe de informações mais confiáveis sobre essa faceta dramática do trabalho brasileiro, trazem uma boa e uma má notícia. A quantidade de acidentes em geral vem em queda desde 2008, quando houve 755.980 ocorrências. Em 2010, foram 701.496 — 7% menos. Mas os casos fatais, que tinham caído entre 2008 e 2009, voltaram a aumentar no ano passado: 2.712 pessoas — em média, sete por dia — perderam a vida trabalhando, 152 a mais que nos 12 meses anteriores, quando o total de mortes foi de 2.560.
Também têm crescido os acidentes durante o trajeto de ida para o serviço e de volta para a casa, conforme os indicadores fornecidos pelas empresas por meio da Comunicação de Acidente de Trabalho (CAT), que é obrigatória. Em 2008, foram 88.742 e, em 2010, 94.789, 7% a mais. A Previdência, no entanto, contabiliza em torno de 200 mil por ano os casos que não são comunicados, mas são identificados e classificados como acidente pelos médicos peritos e funcionários do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) quando o segurado pede o benefício. A falha é que o órgão não os classifica por motivos.
Indenizações
O número das vítimas que se machucam e morrem enquanto trabalham, porém, é bem maior. Os dados da Previdência só anotam os casos de empregados registrados ou que venham a comprovar o vínculo empregatício, que geraram o pagamento de algum benefício decorrente de acidente, como auxílio-doença, auxílio-acidente, auxílio-suplementar, aposentadoria por invalidez e pensão por morte. Há muitas ocorrências que não são comunicadas, pois os empregados ficam afastados temporariamente com salário pago pelas firmas, sem recebimento de benefício previdenciário.
Ficam de fora também das estatísticas os acidentes envolvendo os demais trabalhadores brasileiros — autônomos, profissionais liberais, servidores públicos, empregados domésticos e todos aqueles que atuam na informalidade nas cidades e nas lavouras. Eles representam 60% da força de trabalho. O drama fica maior ao se constatar que boa parte desses profissionais exerce suas obrigações com muito menos segurança que os empregados formais, para os quais o governo exige cumprimento às normas mínimas.
Mesmo entre os trabalhadores com carteira assinada, é comum o desrespeito às poucas regras existentes. Quando caiu da plataforma que cedeu em janeiro deste ano, o operário José Freitas não estava com o cinto de segurança obrigatório do tipo paraquedista, conforme apontou o laudo pericial da Polícia Civil. Em casos assim, a morte é praticamente certa.
Pressão alta
José foi substituído logo por outro operário na obra. A 54 quilômetros dali, no entanto, o destino de uma mãe e seus filhos era revisto, para pior. Os menores Oziel e Micael tiveram de mudar de escola, pois chegavam chorando por causa dos comentários dos coleguinhas sobre o fato de o pai deles “ter despencado do alto”. Desde a morte de José, as notas do mais velho pioraram. As de Micael já eram baixas, pois ele tem dificuldade de fala e, por isso, aprende pouco nas aulas.
A mãe começou a tomar remédios para pressão alta, e as noites de insônia passaram a ser comuns. Com a visão sumindo, e sem o companheiro que fazia os reparos na casa e cuidava da organização das contas, das compras e dos filhos, Marta teme o futuro incerto. “Não consigo mais dormir direito. A preocupação passou a ser minha companheira.”
Solteirão, tímido e reservado, José conheceu Marta, servente de escola, e se apaixonou por ela 11 anos atrás. Criou como seu o garoto Thiago, então com 6 anos, o filho que Marta já tinha — hoje com 18 anos. Não sem muita razão, os dois meninos nascidos quando quarentão eram a grande alegria de José. Pai amoroso, para onde ia, nos dias de folga, levava as crianças consigo. Jamais imaginou deixá-las tão cedo e tão necessitadas da sua presença. “Ele sonhava em vê-los formados”, relembra ela, que recebe pensão de R$ 800 do
INSS deixada pelo marido. Agora, parte do futuro de Oziel e Micael repousa em um gabinete da Justiça do Trabalho em Brasília, onde corre a ação pedindo a indenização pela morte do pai.
Também têm crescido os acidentes durante o trajeto de ida para o serviço e de volta para a casa, conforme os indicadores fornecidos pelas empresas por meio da Comunicação de Acidente de Trabalho (CAT), que é obrigatória. Em 2008, foram 88.742 e, em 2010, 94.789, 7% a mais. A Previdência, no entanto, contabiliza em torno de 200 mil por ano os casos que não são comunicados, mas são identificados e classificados como acidente pelos médicos peritos e funcionários do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) quando o segurado pede o benefício. A falha é que o órgão não os classifica por motivos.
Indenizações
O número das vítimas que se machucam e morrem enquanto trabalham, porém, é bem maior. Os dados da Previdência só anotam os casos de empregados registrados ou que venham a comprovar o vínculo empregatício, que geraram o pagamento de algum benefício decorrente de acidente, como auxílio-doença, auxílio-acidente, auxílio-suplementar, aposentadoria por invalidez e pensão por morte. Há muitas ocorrências que não são comunicadas, pois os empregados ficam afastados temporariamente com salário pago pelas firmas, sem recebimento de benefício previdenciário.
Ficam de fora também das estatísticas os acidentes envolvendo os demais trabalhadores brasileiros — autônomos, profissionais liberais, servidores públicos, empregados domésticos e todos aqueles que atuam na informalidade nas cidades e nas lavouras. Eles representam 60% da força de trabalho. O drama fica maior ao se constatar que boa parte desses profissionais exerce suas obrigações com muito menos segurança que os empregados formais, para os quais o governo exige cumprimento às normas mínimas.
Mesmo entre os trabalhadores com carteira assinada, é comum o desrespeito às poucas regras existentes. Quando caiu da plataforma que cedeu em janeiro deste ano, o operário José Freitas não estava com o cinto de segurança obrigatório do tipo paraquedista, conforme apontou o laudo pericial da Polícia Civil. Em casos assim, a morte é praticamente certa.
Pressão alta
José foi substituído logo por outro operário na obra. A 54 quilômetros dali, no entanto, o destino de uma mãe e seus filhos era revisto, para pior. Os menores Oziel e Micael tiveram de mudar de escola, pois chegavam chorando por causa dos comentários dos coleguinhas sobre o fato de o pai deles “ter despencado do alto”. Desde a morte de José, as notas do mais velho pioraram. As de Micael já eram baixas, pois ele tem dificuldade de fala e, por isso, aprende pouco nas aulas.
A mãe começou a tomar remédios para pressão alta, e as noites de insônia passaram a ser comuns. Com a visão sumindo, e sem o companheiro que fazia os reparos na casa e cuidava da organização das contas, das compras e dos filhos, Marta teme o futuro incerto. “Não consigo mais dormir direito. A preocupação passou a ser minha companheira.”
Solteirão, tímido e reservado, José conheceu Marta, servente de escola, e se apaixonou por ela 11 anos atrás. Criou como seu o garoto Thiago, então com 6 anos, o filho que Marta já tinha — hoje com 18 anos. Não sem muita razão, os dois meninos nascidos quando quarentão eram a grande alegria de José. Pai amoroso, para onde ia, nos dias de folga, levava as crianças consigo. Jamais imaginou deixá-las tão cedo e tão necessitadas da sua presença. “Ele sonhava em vê-los formados”, relembra ela, que recebe pensão de R$ 800 do
INSS deixada pelo marido. Agora, parte do futuro de Oziel e Micael repousa em um gabinete da Justiça do Trabalho em Brasília, onde corre a ação pedindo a indenização pela morte do pai.
Levantando paredes
Locomotiva do atual crescimento econômico, a construção civil é a atividade que mais mata trabalhadores. Em 2009, últimos dados disponíveis, 395 operários morreram levantando paredes. Na contramão dos indicadores de acidentes no país, que apontam redução, na construção, as ocorrências crescem a cada ano. Em 2007, foram 36,5 mil casos registrados pela Previdência em todo o país. Em 2008, saltaram para 52,8 mil e, em 2010, já tinham alcançado 54,6 mil. A explicação da indústria para o aumento dos acidentes é a maior quantidade de obras no país.
Apesar dos números negativos da construção civil, desde 2009, a indústria em geral deixou o posto de campeã de acidentes no país. Impulsionado pelo crescimento econômico, e responsável pela maior parte das vagas geradas nos últimos anos, o setor de serviços assumiu a liderança entre os trabalhadores que mais se acidentam, com 340.681 ocorrências em 2009 e 331.895 em 2010. A indústria registrou 321.171 e 307.620 casos, respectivamente.
Os estabelecimentos de revendas de carros e oficinas mecânicas são os responsáveis pelo maior número de acidentes na área de serviços — um total de 95,5 mil no ano passado. Em seguida, vêm as atividades de armazenagem e transporte de mercadorias, com 51.934 ocorrências, que também são a segunda colocada em número de mortes.
Irregularidades
Zilda Valentino dos Santos, 37 anos, não acreditou na notícia que passava na tevê de sua casa, em Planaltina de Goiás. Seu companheiro de quase 20 anos, Lourival Leite de Moraes, 46, estava entre as três vítimas do soterramento ocorrido na obra do Hospital Universitário da Universidade de Brasília (UnB) em 20 de julho deste ano. Quatro meses antes, o Sindicato dos Trabalhadores da Construção Civil havia denunciado à Delegacia Regional do Trabalho irregularidades nos andaimes e falta de material de segurança.
Da noite para o dia, a vida de Zilda e dos filhos, Vinícius, 13, e Iara, 8, desestruturou-se. Ela trabalha como auxiliar de serviços gerais num hospital na Asa Sul, noite sim, noite não. Iara fica com uns parentes. Mas não tem lugar para o menino. O jeito foi pagar um vizinho para dormir na casa com Vinícius. Essa situação não agrada a mãe. Por ora, é o que pode fazer. Antes, ela saía tranquila para o trabalho, pois o marido ficava com as crianças. Agora, convive com a ausência dele e a preocupação com os filhos.
Lourival não está mais presente, mas tudo na casa tem o seu dedo. Acostumado com obras, era ele quem fazia os reparos. Zilda não faz mais coisas simples sem ele, como as compras de alimentos do mês, uma festa para a família. Ela passou a adquirir tudo picado, quando precisa. A vida para os Moraes perdeu a graça.
Apesar dos números negativos da construção civil, desde 2009, a indústria em geral deixou o posto de campeã de acidentes no país. Impulsionado pelo crescimento econômico, e responsável pela maior parte das vagas geradas nos últimos anos, o setor de serviços assumiu a liderança entre os trabalhadores que mais se acidentam, com 340.681 ocorrências em 2009 e 331.895 em 2010. A indústria registrou 321.171 e 307.620 casos, respectivamente.
Os estabelecimentos de revendas de carros e oficinas mecânicas são os responsáveis pelo maior número de acidentes na área de serviços — um total de 95,5 mil no ano passado. Em seguida, vêm as atividades de armazenagem e transporte de mercadorias, com 51.934 ocorrências, que também são a segunda colocada em número de mortes.
Irregularidades
Zilda Valentino dos Santos, 37 anos, não acreditou na notícia que passava na tevê de sua casa, em Planaltina de Goiás. Seu companheiro de quase 20 anos, Lourival Leite de Moraes, 46, estava entre as três vítimas do soterramento ocorrido na obra do Hospital Universitário da Universidade de Brasília (UnB) em 20 de julho deste ano. Quatro meses antes, o Sindicato dos Trabalhadores da Construção Civil havia denunciado à Delegacia Regional do Trabalho irregularidades nos andaimes e falta de material de segurança.
Da noite para o dia, a vida de Zilda e dos filhos, Vinícius, 13, e Iara, 8, desestruturou-se. Ela trabalha como auxiliar de serviços gerais num hospital na Asa Sul, noite sim, noite não. Iara fica com uns parentes. Mas não tem lugar para o menino. O jeito foi pagar um vizinho para dormir na casa com Vinícius. Essa situação não agrada a mãe. Por ora, é o que pode fazer. Antes, ela saía tranquila para o trabalho, pois o marido ficava com as crianças. Agora, convive com a ausência dele e a preocupação com os filhos.
Lourival não está mais presente, mas tudo na casa tem o seu dedo. Acostumado com obras, era ele quem fazia os reparos. Zilda não faz mais coisas simples sem ele, como as compras de alimentos do mês, uma festa para a família. Ela passou a adquirir tudo picado, quando precisa. A vida para os Moraes perdeu a graça.
Justiça do trabalho toma decisões, na maioria das vezes, superficiais
Durante quase 20 anos, de segunda a sábado, José Arnaldo Vargas, 49 anos, trabalhou como instalador de acessórios numa concessionária de veículos em Brasília. Nunca sofrera qualquer acidente. Chegou a integrar a Comissão Interna de Prevenção de Acidentes (Cipa) da empresa por dois anos. Em 9 de fevereiro de 2007, ele foi enterrado com o veredicto de culpado. José Arnaldo morreu ao ser atingido pelo veículo que consertava junto com um colega, ao despencar do elevador eletromecânico que o sustentava no alto.
Os peritos da Polícia Civil concluíram que o equipamento funcionava regularmente e que a culpa foi de Vargas, que não verificou, “no início do içamento”, se o veículo estava bem posicionado no elevador. Não foi considerada, na perícia, a técnica do trabalho, que implica forçar o veículo para baixo ao colocar as peças, o que Vargas e o outro funcionário fizeram naquele dia. A Justiça do Trabalho acolheu a defesa da concessionária Disbrave com base no laudo da Polícia Civil, atribuindo “culpa exclusiva” à vítima, e negou a indenização por danos morais pedida pela família.
Os peritos da Polícia Civil concluíram que o equipamento funcionava regularmente e que a culpa foi de Vargas, que não verificou, “no início do içamento”, se o veículo estava bem posicionado no elevador. Não foi considerada, na perícia, a técnica do trabalho, que implica forçar o veículo para baixo ao colocar as peças, o que Vargas e o outro funcionário fizeram naquele dia. A Justiça do Trabalho acolheu a defesa da concessionária Disbrave com base no laudo da Polícia Civil, atribuindo “culpa exclusiva” à vítima, e negou a indenização por danos morais pedida pela família.
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A busca da culpa do funcionário pelas tragédias ainda é a prática na análise dos acidentes, e é aceita pela Justiça, mas está ultrapassada do ponto de vista do conhecimento científico, diz o médico do trabalho e doutor em saúde pública Ildeberto Muniz de Almeida, professor da Universidade do Estado de São Paulo (Inesp). “Essa visão tradicional, que centra a explicação do acidente na pessoa da vítima, é individualizadora, reducionista”, denuncia.
O auditor-fiscal do trabalho na Superintendência Regional do Trabalho e Emprego em Fortaleza Mauro Khouri critica esse modelo de análise centrado na noção do ato inseguro. “Um grande número de acidentes está resumido nisso: de que o funcionário não prestou atenção. Mas não se pode estabelecer um sistema de segurança baseado na atenção da pessoa. Tem que haver outras medidas de proteção coletiva”, alerta.
Controle
Para o médico e professor da Unesp, essa visão tradicional inibe a prevenção, porque a origem do problema permanece. Pressupõe que o trabalhador faz o que quer, que poderia fazer de outro jeito e que tem o controle absoluto da situação, dos meios disponíveis, dos materiais necessários, o que não é verdade. “Isso significa pensar também que as condições do ambiente em que se dá o trabalho nunca mudam. Mas elas são variáveis, conforme a época, a quantidade de pedidos e a demanda, a disponibilidade de material, entre outros fatores”, destaca Almeida. Ele afirma que não é mais possível encontrar casos de acidentes explicados pela culpa exclusiva da vítima.
Na maioria das vezes, alerta Almeida, é graças ao conhecimento que o trabalhador tem para lidar com essas mudanças — a matéria-prima que não está agarrando no equipamento, a máquina que não funciona direito — que ele consegue identificar o problema, corrigi-lo e evitar o acidente. “Ninguém vê, ninguém valoriza o não-acidente”, diz. “O certo é que a gestão de segurança deveria explicar as razões pelas quais o trabalhador fez a tarefa sempre com sucesso e não deu certo daquela vez, no lugar de julgá-lo e culpá-lo”, afirma o médico.
Em sua avaliação, na maior parte das falhas, estão constrangimentos na organização do trabalho, a necessidade de execução da tarefa em prazo curto ou o surgimento de um problema novo em dado momento, no qual o trabalhador perde a compreensão do que está acontecendo. Para o especialista, no caso da morte de Vargas, a pergunta que deveriam fazer é: “Por que não aconteceu antes?”
Khouri explica que os servidores do Ministério do Trabalho estão orientados a investigar o acidente em todos os seus aspectos e não apenas se a máquina está funcionando ou não. “É preciso descobrir o que contribuiu para o acidente acontecer. Compreender que há fatores diversos, imediatos, intermediários, subjacentes e até latentes, que explicam o ocorrido, que envolvem a organização da empresa, o gerenciamento e a gestão de pessoal, de materiais, de segurança, entre outros pontos.
Quase cinco anos depois da morte do mecânico José Arnaldo Vargas, seu irmão Francisco de Assis ainda não se conforma com a perda daquele que tanto ajudava a família. “Eu estive na concessionária três dias antes do acidente que o matou e comentei com ele que o elevador no qual trabalhava era muito inseguro, pois não havia travas para as rodas nas laterais das sapatas que amparam o veículo. Ele disse que não era para eu me preocupar, que estava acostumado”, relembra.
Três dias depois, a família do mecânico estava destroçada. Mineiro de Carmópolis, José Arnaldo, o terceiro de nove irmãos, mudou-se primeiro para a Brasília, no início da década de 80, com a mulher e o filho recém-nascido Augusto, hoje com 30 anos. Depois foi a vez dos outros irmãos, que moraram com o casal até se ajeitarem na capital. A mãe, hoje com 78 anos, veio em seguida.
A família unida, acostumada a almoçar sempre junta nos fins de semana, com filhos, sobrinhos, netos e namoradas, até hoje tenta juntar os cacos. José Arnaldo morreu numa quinta-feira. Quatro dias antes, no domingo mais uma vez a família toda se reuniu e foi ele quem fez a feijoada. “Serviu todo mundo. Ele mesmo lavou a louça. Foi uma despedida”, relembra a filha Kelliane, 28.
A mulher Vera Lúcia ainda não conseguiu se conformar e levar a vida adiante. Ela e José Arnaldo já tinham perdido o terceiro filho de 2 anos com leucemia. “É doloroso receber telefonema perguntando por ele e ter que dizer que ele faleceu. Não há mais Natal, não há mais ano-novo”, chora ela, que tomou antidepressivos durante quase cinco anos. Vera Lúcia só largou o remédio há algumas semanas.
Há 21 anos, o eletricista Milton Ribeiro Marcelino sobreviveu a um grave acidente de trabalho, mas, desde então, sua vida é sobre uma cadeira de rodas. Ele perdeu o braço esquerdo e as duas pernas depois de ser atingido por um cabo de alta tensão de um poste da Cemig, a companhia de energia de Minas. Hoje, com 44 anos, sobrevive com a aposentadoria por invalidez de um salário mínimo. É ele quem sustenta a mulher e o filho de 8 anos.
O auditor-fiscal do trabalho na Superintendência Regional do Trabalho e Emprego em Fortaleza Mauro Khouri critica esse modelo de análise centrado na noção do ato inseguro. “Um grande número de acidentes está resumido nisso: de que o funcionário não prestou atenção. Mas não se pode estabelecer um sistema de segurança baseado na atenção da pessoa. Tem que haver outras medidas de proteção coletiva”, alerta.
Controle
Para o médico e professor da Unesp, essa visão tradicional inibe a prevenção, porque a origem do problema permanece. Pressupõe que o trabalhador faz o que quer, que poderia fazer de outro jeito e que tem o controle absoluto da situação, dos meios disponíveis, dos materiais necessários, o que não é verdade. “Isso significa pensar também que as condições do ambiente em que se dá o trabalho nunca mudam. Mas elas são variáveis, conforme a época, a quantidade de pedidos e a demanda, a disponibilidade de material, entre outros fatores”, destaca Almeida. Ele afirma que não é mais possível encontrar casos de acidentes explicados pela culpa exclusiva da vítima.
Na maioria das vezes, alerta Almeida, é graças ao conhecimento que o trabalhador tem para lidar com essas mudanças — a matéria-prima que não está agarrando no equipamento, a máquina que não funciona direito — que ele consegue identificar o problema, corrigi-lo e evitar o acidente. “Ninguém vê, ninguém valoriza o não-acidente”, diz. “O certo é que a gestão de segurança deveria explicar as razões pelas quais o trabalhador fez a tarefa sempre com sucesso e não deu certo daquela vez, no lugar de julgá-lo e culpá-lo”, afirma o médico.
Em sua avaliação, na maior parte das falhas, estão constrangimentos na organização do trabalho, a necessidade de execução da tarefa em prazo curto ou o surgimento de um problema novo em dado momento, no qual o trabalhador perde a compreensão do que está acontecendo. Para o especialista, no caso da morte de Vargas, a pergunta que deveriam fazer é: “Por que não aconteceu antes?”
Khouri explica que os servidores do Ministério do Trabalho estão orientados a investigar o acidente em todos os seus aspectos e não apenas se a máquina está funcionando ou não. “É preciso descobrir o que contribuiu para o acidente acontecer. Compreender que há fatores diversos, imediatos, intermediários, subjacentes e até latentes, que explicam o ocorrido, que envolvem a organização da empresa, o gerenciamento e a gestão de pessoal, de materiais, de segurança, entre outros pontos.
Quase cinco anos depois da morte do mecânico José Arnaldo Vargas, seu irmão Francisco de Assis ainda não se conforma com a perda daquele que tanto ajudava a família. “Eu estive na concessionária três dias antes do acidente que o matou e comentei com ele que o elevador no qual trabalhava era muito inseguro, pois não havia travas para as rodas nas laterais das sapatas que amparam o veículo. Ele disse que não era para eu me preocupar, que estava acostumado”, relembra.
Três dias depois, a família do mecânico estava destroçada. Mineiro de Carmópolis, José Arnaldo, o terceiro de nove irmãos, mudou-se primeiro para a Brasília, no início da década de 80, com a mulher e o filho recém-nascido Augusto, hoje com 30 anos. Depois foi a vez dos outros irmãos, que moraram com o casal até se ajeitarem na capital. A mãe, hoje com 78 anos, veio em seguida.
A família unida, acostumada a almoçar sempre junta nos fins de semana, com filhos, sobrinhos, netos e namoradas, até hoje tenta juntar os cacos. José Arnaldo morreu numa quinta-feira. Quatro dias antes, no domingo mais uma vez a família toda se reuniu e foi ele quem fez a feijoada. “Serviu todo mundo. Ele mesmo lavou a louça. Foi uma despedida”, relembra a filha Kelliane, 28.
A mulher Vera Lúcia ainda não conseguiu se conformar e levar a vida adiante. Ela e José Arnaldo já tinham perdido o terceiro filho de 2 anos com leucemia. “É doloroso receber telefonema perguntando por ele e ter que dizer que ele faleceu. Não há mais Natal, não há mais ano-novo”, chora ela, que tomou antidepressivos durante quase cinco anos. Vera Lúcia só largou o remédio há algumas semanas.
Há 21 anos, o eletricista Milton Ribeiro Marcelino sobreviveu a um grave acidente de trabalho, mas, desde então, sua vida é sobre uma cadeira de rodas. Ele perdeu o braço esquerdo e as duas pernas depois de ser atingido por um cabo de alta tensão de um poste da Cemig, a companhia de energia de Minas. Hoje, com 44 anos, sobrevive com a aposentadoria por invalidez de um salário mínimo. É ele quem sustenta a mulher e o filho de 8 anos.
Fonte: Ana D´Angelo. Correio Braziliense